terça-feira, 12 de janeiro de 2010

TEMPOS MODERNOS

Árvore Genealógica


- Mãe, vou casar!

– Jura, meu filho?! Estou tão feliz! Quem é a moça?

– Não é moça. Vou casar com um moço. O nome dele é Murilo.

- Você falou Murilo... Ou foi meu cérebro que sofreu um pequeno surto psicótico?

– Eu falei Murilo. Por que, mãe? Tá acontecendo alguma coisa?

– Nada, não. Só minha visão que está um pouco turva. E meu coração, que talvez dê uma parada. No mais, tá tudo óptimo.

- Se você tiver algum problema em relação a isto, melhor falar logo...

– Problema? Problema nenhum. Só pensei que algum dia ia ter uma nora... Ou isso.

– Você vai ter uma nora. Só que uma nora... Meio macho. Ou um genro meio fêmea. Resumindo: uma nora quase macho, tendendo a um genro quase fêmea...

– E quando eu vou conhecer o meu. A minha... O Murilo?

– Pode chamar ele de Biscoito. É o apelido.

- Tá! Biscoito... Já gostei dele... Alguém com esse apelido só pode ser uma pessoa bacana. Quando o Biscoito vem aqui?

– Por quê?

– Por nada. Só pra eu poder desacordar seu pai com antecedência.

- Você acha que o Papai não vai aceitar?

– Claro que vai aceitar! Lógico que vai. Só não sei se ele vai sobreviver... Mas isso também é uma bobagem. Ele morre sabendo que você achou sua cara-metade... E olha que espectáculo: as duas metades com bigode.

- Mãe, que besteira ... Hoje em dia ... Praticamente todos os meus amigos são gays.

- Só espero que tenha sobrado algum que não seja... Pra poder apresentar pra tua irmã.

– A Bel já tá namorando.

– A Bel? Namorando?! Ela não me falou nada... Quem é?

– Uma tal de Veruska.

– Como?

– Veruska...

– Ah! bom! Que susto! Pensei que você tivesse falado Veruska.

- Mãe!!!...

– Tá..., tá..., tudo bem... Se vocês são felizes. Só fico triste porque não vou ter um neto...

– Por que não? Eu e o Biscoito queremos dois filhos. Eu vou doar os espermatozóides. E a ex-namorada do Biscoito vai doar os óvulos.

- Ex-namorada? O Biscoito tem ex-namorada?

– Quando ele era hétero... A Veruska.

– Que Veruska?

– Namorada da Bel...

– "Peraí". A ex-namorada do teu actual namorado... E a actual namorada da tua irmã. Que é minha filha também... Que se chama Bel. É isso? Porque eu me perdi um pouco...

– É isso. Pois é... A Veruska doou os óvulos. E nós vamos alugar um útero.

- De quem?

– Da Bel.- Mas. Logo da Bel?! Quer dizer então... Que a Bel vai gerar um filho teu e do Biscoito. Com o teu espermatozóide e com o óvulo da namorada dela, que é a Veruska...

– Isso.

– Essa criança, de uma certa forma, vai ser tua filha, filha do Biscoito, filha da Veruska e filha da Bel.

– Em termos...

– A criança vai ter duas mães: você e o Biscoito. E dois pais: a Veruska e a Bel.

- Por aí...

– Por outro lado, a Bel..., além de mãe, é tia... Ou tio.... Porque é tua irmã.

- Exacto. E ano que vem vamos ter um segundo filho. Aí o Biscoito é que entra com o espermatozóide. Que dessa vez vai ser gerado no ventre da Veruska... Com o óvulo da Bel. A gente só vai trocar.

- Só trocar, né? Agora o óvulo vai ser da Bel. E o ventre da Veruska.

- Exacto!

– Agora eu entendi! Agora eu realmente entendi...

– Entendeu o quê?

– Entendi que é uma espécie de swing dos tempos modernos!

– Que swing, mãe?!!....

– É swing, sim! Uma troca de casais... Com os óvulos e os espermatozóides, uma hora no útero de uma, outra hora no útero de outra...

– Mas...

– Mas uns tomates! Isso é um bacanal de última geração! E pior... Com incesto no meio...

– A Bel e a Veruska só vão ajudar na concepção do nosso filho, só isso...

– Sei!!!... E quando elas quiserem ter filhos...

– Nós ajudamos.

– Quer saber? No final das contas não entendi mais nada. Não entendi quem vai ser mãe de quem, quem vai ser pai de quem, de quem vai ser o útero, o espermatozóide... A única coisa que eu entendi é que...

– Que... ?

- Fazer árvore genealógica daqui pra frente... vai ser f****

(Luiz Fernando Veríssimo)

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